Omissão, negligência e racismo Há algo de errado na FITO

De referência no ensino em Osasco, a instituição passou a ser conhecida por não valorizar os servidores, achatar salários, sobrecarregar os docentes, mantendo uma estrutura reacionária e racista e negligenciando casos de violência entre alunos

12 dez 2023, 14:50 Tempo de leitura: 5 minutos, 24 segundos
Omissão, negligência e racismo                       Há algo de errado na FITO

por Paula Veneroso

Criada por lei municipal em 1968, a Fito (Fundação Instituto Tecnológico de Osasco) é uma autarquia, ou seja, é uma personalidade jurídica autônoma e, ao mesmo tempo em que dispõe de independência administrativo-financeira, é dirigida por um conselho diretor cujos treze membros são nomeados pelo prefeito de Osasco a partir de critérios estabelecidos em estatuto. Entre os próprios conselheiros são eleitos o presidente e o vice da Fundação, para mandato de dois anos com direito a uma recondução. Os diretores e adjuntos das unidades de ensino também são escolhidos pelo conselho, mas seus nomes devem ser aprovados pelo prefeito. Assim, todos os cargos diretivos da Fito são, em última instância, políticos. A Educação Infantil é ofertada gratuitamente por meio de convênio com a prefeitura, na modalidade creche, em um projeto chamado “Mundo da Criança”, cujos educadores não têm estatuto e nem plano de carreira. Já os ensinos Fundamental e Médio são geridos pela própria Fundação, mediante cobrança de anuidades que variam entre R$ 10 mil e R$ 13 mil reais.

No dia 11 de novembro, Aline Gabriel e Fernando Gabriel, pais de um estudante de 7 anos da instituição, postaram um vídeo nas redes sociais detalhando situações que vinham ocorrendo com o filho desde os primeiros dias de aula na escola. Os relatos apontaram para negligência, omissão e prática de racismo por parte de todo corpo pedagógico, incluindo direção, coordenação e professora. Único negro da sala do 1º ano do Ensino Fundamental, o estudante era constantemente isolado das atividades e brincadeiras pela própria professora, que fazia vista grossa aos repetidos episódios de bullying que ocorriam na sala. No vídeo, a mãe divulgou um áudio do filho, em que ele pedia para mudar de escola: “Tudo que eu quero é uma escola que fosse boazinha comigo, que os alunos fossem mais legais, que ninguém fosse falar do meu time, tudo isso acontece lá na perua, na escola, em sala. Em qualquer lugar da escola parece que acontece isso. Eu quero mudar de escola”, disse a criança.

Racismo recreativo

Com 1,3 milhão de visualizações e milhares de compartilhamentos, o vídeo viralizou e o caso chegou à grande imprensa. Alma Preta, Folha, G1, CNN, O Globo, Terra, Metrópoles e Mundo Negro foram alguns dos meios que repercutiram a denúncia. Depois de se reunirem com a direção, coordenação, professora e psicólogo e presenciarem, in loco, o total despreparo da equipe para lidar com a situação, os pais tiraram o filho da escola. A Fito, por sua vez, se limitou a emitir uma nota informando que já havia conversado com a família e que estava “apurando todo o ocorrido”. E afastou, “preventivamente”, a coordenadora e a professora.

Duas semanas depois, outro caso de racismo dentro da Fito veio à tona, desta vez a vítima era um adolescente de 17 anos, também único negro da sua sala. Em um grupo de WhatsApp, colegas de sala se referem a ele de maneira criminosa: “O negaum (sic!) é o único ladrão da foto”. Nesse grupo, vídeos com xingamentos e mensagens racistas dirigidas a ele circulavam entre colegas da classe. Em inquérito aberto pelo 1º Distrito Policial de Osasco para apurar o crime, a família informou que o adolescente vinha sendo alvo de ofensas e sofrendo discriminação racial há mais de um ano, mas que se intensificaram nos últimos meses. “Eles fingiam que era uma brincadeira, é o ‘racismo recreativo’, eu tive que pegar para estudar esse assunto. E faziam a situação. ‘Brincavam’, gravavam e mandavam no grupo”, relatou o jovem à GloboNews.

A mãe do adolescente, Marinalva de Lourdes Ferreira de Jesus, só ficou sabendo do sofrimento do filho em agosto, quando ele resolveu se abrir, depois de passar mal. Ele disse que, no início, ficava quieto, mas depois não aguentou e chorou. Desesperada, Marinalva foi à escola e, surpreendentemente, foi informada de que tanto a direção quanto alguns professores sabiam das violências, mas não acharam necessário avisar a família. A mãe registrou ocorrência na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decadri) e, em seguida, o filho deixou de frequentar as aulas presencialmente, acompanhando de forma remota e indo à Fito apenas para fazer provas. A Fito afirmou que promoveu conversas com os alunos a fim de conscientizá-los e que convocou os pais dos envolvidos para uma reunião. Além disso, afirmou que está fornecendo as informações solicitadas pelas autoridades policiais.

Denúncias em série

Não é de hoje que a instituição vem sendo denunciada por racismo. Em outubro de 2022, estudantes e professores da Fito realizaram ato em frente à Prefeitura de Osasco para protestar pela demissão de professores e, na ocasião, entregaram uma Carta ao executivo denunciando vários problemas estruturais, entre eles, “nenhum enfrentamento a casos de racismo, LGBTQIA+fobia e de machismo, e desrespeito”. Em dezembro do mesmo ano, a mandata AtivOz apresentou na Câmara Legislativa moção de solidariedade a uma aluna da FITO que foi chamada de “macaca” por uma colega e, ao reagir à agressão com um empurrão, foi suspensa pela direção em período de provas, sendo que a agressora não sofreu nenhuma sanção.

Após os dois episódios mais recentes de racismo, a Comissão de Educação, Cultura e Esportes da Câmara Municipal, que se reúne toda quinta-feira, convidou a direção da Fito para conversar a respeito, mas ninguém compareceu. No entanto, após a vereadora Juliana da AtivOz divulgar um vídeo nas redes sociais sobre o “cano” da direção, uma equipe compareceu na reunião da Comissão de Educação no dia 7 de dezembro. Entre as ações que a instituição se comprometeu a realizar a fim de erradicar os frequentes episódios de racismo, está um ciclo de palestras. O título da primeira, a ser realizada ainda em dezembro, é “Sensibilização sobre as temáticas: Da pessoa com deficiência e Letramento Racial com foco na prevenção antirracista”. Entendeu? Leia novamente. Agora, pense o que seria uma “prevenção antirracista”. O que significa prevenir o antirracismo? Bem, por aí já se tem certeza de que, sim, há algo de muito errado na FITO.