“Não estou nem aí”. Governador Tarcisio dá de ombros ao ser questionado sobre violência da PM paulista

Operação Verão fez crescer letalidade policial em 70%, deixando 56 civis mortos. Política de vingança marca historicamente a atuação da PM paulista e está intensificada neste novo governo.

11 abr 2024, 14:56 Tempo de leitura: 5 minutos, 53 segundos
“Não estou nem aí”. Governador Tarcisio dá de ombros ao ser questionado sobre violência da PM paulista

Por Taynara Cardoso

No primeiro dia de abril deste ano, teve fim a Operação Verão, que já entrou para a história como a segunda ação policial com mais mortes no Estado de São Paulo, atrás somente do fatídico massacre do Carandiru, episódio que ficou muito marcado na história do Estado de São Paulo. A operação policial na Baixada Santista só terminou após a morte da cabeleireira Edineia Fernandes, de 31 anos, que morreu com um tiro na cabeça em uma ação policial em Santos. Ela estudava para ser enfermeira e tinha 6 filhos. Foi assassinada enquanto conversava com uma amiga, numa praça.
A Operação Verão aumentou a letalidade da polícia paulista em 70% no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. O saldo da ação foi de 56 civis mortos e dois agentes policiais. Ela foi a continuidade da Operação Escudo, que está no ranking como a terceira mais letal da história. Ou seja, já é de Tarcísio o título de polícia que mais mata, e isso em apenas quinze meses à frente do Estado de São Paulo, herança do governo Bolsonaro.
A máxima “bandido bom é bandido morto” centraliza a política na Secretaria de Segurança Pública liderada por Guilherme Derrite, ex-agente da Rota, filiado ao PL e indicação direta de Bolsonaro ao atual governador Tarcísio. Sua gestão iniciou uma política ostensiva, já no ano passado, com a operação Escudo na Baixada, e o secretário ainda fez uma declaração dizendo que as câmeras nos uniformes “reduziram a produtividade policial”.

Histórico de vingança
A Operação Verão, especificamente, foi deflagrada no litoral paulista em 18 de dezembro do ano passado. Inicialmente, a PM reforçou o policiamento na Baixada com 3108 agentes para inibir roubos e arrastões nas estradas do litoral, e a operação, que já começou violenta, foi escalando após a morte de agentes policiais. Dia 26 de janeiro, tivemos a notícia da morte do soldado Marcelo Augusto da Silva; no dia 28, foram 4 civis mortos. Cinco dias depois, em 2 de fevereiro, foi assassinado o soldado da Rota Samuel Wesley Cosmo, e, o dia seguinte, 3 de fevereiro, ficou marcado como o dia mais sangrento da operação, com 7 mortes.
Essa política de vingança marca historicamente a atuação da PM paulista e está intensificada neste novo governo. Exemplo dessa atuação foi a chacina de Osasco e Barueri, em que a hipótese mais aceita é que as 23 mortes aconteceram para vingar os assassinatos do PM Admilson Pereira de Oliveira, em 8 de agosto de 2015, em Osasco, e do guarda civil Jeferson Luiz Rodrigues da Silva, no dia 12 de agosto daquele ano, em Barueri. A Operação Escudo, por sua vez, foi deflagrada no dia 28 de julho de 2023, dia seguinte à morte do soldado Patrick Bastos Reis da Rota, e terminou com 28 mortes de civis – juntas, as operações Verão e Escudo somaram 84 civis mortos.

Meu filho, não!
Contudo, o que acontece nos grandes palácios? No dia 9 de março, a Bancada da Bala na ALESP, cujos deputados foram eleitos na onda conservadora que tomou o último pleito, chamou um ato em Santos para defender as operações. O que não foi exaltado nessa manifestação é que, em julho de 2023, antes da deflagração da operação Escudo, o tenente Raphael Mecca Sampaio, filho do deputado estadual Major Mecca, do PL, um dos expoentes da chamada Bancada da Bala e aliado de Tarcísio na Assembleia Legislativa, foi transferido de Santos para a unidade da Lapa, na zona oeste da capital paulista.
A guerra aos pobres, que mata o filho da classe trabalhadora nas periferias, não atinge os donos do poder, não existe ação policial de combate ao crime organizado em lugares nobres do Estado, também não há filhos de deputado estadual morrendo na linha de frente. O policial que vai para o meio da favela com a desculpa de apreender drogas e morre também é vítima da ação deliberada do Estado, que mata dez vezes mais pessoas negras moradores da favela, estes que já são tachados de bandidos no nascimento. Essa ação do Tarcísio não é uma política de segurança pública, e sim uma necropolítica de extermínio, em lugares em que o sistema econômico considerado legal não tem como apresentar uma perspectiva.
Nesse sentido, a Agência Pública publicou um estudo do Instituto Sou da Paz, que analisa os números da segurança pública na Baixada, o estudo foi publicado no final do mês de março e comparou os dois meses da Operação Escudo com os respectivos meses no ano passado, agosto e setembro, nas cidades de Santos Guarujá, São Vicente e Praia Grande, que tiveram uma piora nas ocorrências de estupros, alta de 25%; furtos em geral, 12%; homicídios consumados, 7,7%, e tentados, 84,2%; latrocínios, dois casos; lesão corporal dolosa, 5,5%, e roubos em geral, 13,2%. Destaque para os roubos de carga, que mais que quadruplicaram, passando de 20 para 87 ocorrências.

Impunidade é regra
A capital paulista, que concentra a maioria das ações violentas da polícia do Tarcísio, continua da mesma forma: no dia 7de abril, foi filmada uma violência policial dentro da estação da Luz. O vídeo mostra uma pessoa LGBT+ caída no chão e o policial gritando em cima dela, é possível ver também um tapa explicito do policial na pessoa, ele não esconde o rosto e nem o nome no uniforme, mesmo vendo que está sendo filmado. A impunidade diante da violência é a regra, e isso autoriza os agentes a continuarem cometendo crimes em locais públicos.
Assim como não podemos chamar essa necropolítica de política de segurança pública, questionamos: existe algo sendo feito pela esquerda para disputar a galinha dos ovos de ouro da extrema direita? Recentemente, tivemos uma grande vitória com avanço nos esclarecimentos do caso Marielle Franco. No entanto, não há mais do que isso. Antes de Flavio Dino sair do Ministério da Justiça e Segurança Pública, anunciou o investimento, com compra de viaturas, para um plano de Conselho Nacional das Polícias e para a Corregedoria Nacional das Polícias, mas nada disso foi implementado.
A disputa contra o fascismo precisa partir da materialidade da luta contra o racismo, a violência policial e a guerra às drogas. A violência não é a resposta para a nossa classe, mas é a única apresentada para aqueles que vivem o desamparo das políticas neoliberais que comandam hoje o mundo do trabalho. A depender do governador do Estado, as mortes vão continuar. Diante das denúncias de violência da sua polícia na ONU, deu de ombros: “Não estou nem aí.”