AtivOz inaugura Dia de Luta contra a LGBTfobia em Osasco

Pela primeira vez na história, o legislativo osasquense promoveu uma solenidade em homenagem ao Dia de Luta contra a Homofobia, Lesbofobia, Bifobia e Transfobia. Tal conquista se deve à Lei 5.266/23, de autoria da vereadora Juliana da AtivOz, que instituiu a data no calendário oficial da cidade.

17 maio 2024, 11:49 Tempo de leitura: 6 minutos, 19 segundos
AtivOz inaugura Dia de Luta contra a LGBTfobia em Osasco

Imagens Ricardo Migliorini

por Paula Veneroso

A noite de 8 de maio estava agradável e o público que lotou o Espaço Cultural Grande Otelo já esperava por uma solenidade um pouco diferente, afinal, modificar protocolos é parte da luta do movimento LGBT+. A começar pelo cerimonial, que foi conduzido por uma mulher, Rozangela Henrique, fato que nunca tinha ocorrido na Câmara. E, para encerrar, uma apresentação musical do grupo queer VRÁ, que mostrou composições inéditas.

Grupo Queer VRÁ

“Precisamos educar as nossas crianças para que aceitem a diversidade e o mundo como ele é, com todas as diferenças”, comentou Juliana da AtivOz, que presidiu a mesa, composta ainda pelo covereador Higor Andrade, que secretariou a sessão; Renan Quinalha, escritor e professor de Direito da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo); Luana Alves, vereadora bissexual de São Paulo pelo PSOL; Alessandra DumDum, presidente da Associação de Trans e Travestis de Osasco (ATTO); e Rose Soares, codeputada estadual pelo Movimento Pretas (PSOL-SP). A deputada federal Sâmia Bomfim não pode comparecer, mas enviou um vídeo, exibido no início da sessão, em que reafirmou a importante conquista da mandata AtivOz com a aprovação da lei e saudou “todos os militantes presentes no evento, que constroem diariamente a luta por direitos aos LGBTs em Osasco”. Nas falas dos convidados, foram evidenciados os desafios históricos por reconhecimento e dignidade, o enfrentamento da violência e a importância das conquistas.

Violência e exclusão

Representando o coletivo Famílias da Resistência, Monaliza Godoy foi uma das primeiras a falar e salientou a importância de os pais protegerem os filhos LGBT+: “A LGBTfobia é uma realidade, nós temos o dever de apoiar nossos filhos, garantindo que estejam seguros na escola, nas ruas, nos hospitais, e em todos os lugares frequentados por pessoas comuns, que somos nós”. A educação foi citada como um dos meios mais eficazes de inclusão, notadamente para as pessoas trans que, segundo a filósofa e educadora Juliana Guariniello, são expulsas da escola, pois diariamente sofrem humilhações e têm seus direitos aniquilados: “Sem ter seu nome social respeitado, não podendo usar o banheiro que a representa, a mulher trans é jogada na rua e acaba na prostituição”, afirma ela, mulher trans, que é conselheira regional da Apeoesp e diretora escolar. Representando o coletivo de juventude Juntos, a estudante Helen Cristine comentou que uma das pautas da greve das federais é justamente pela inclusão de cotas para travestis e transexuais nas instituições públicas de ensino.

Monaliza Godoy, representante do coletivo Famílias da Resistência

Juliana Guariniello, diretora escolar e conselheira regional da Apeoesp – Osasco

Helen Cristine, representante do coletivo de juventude Juntos

Respeito à pluralidade

Para Heli Venturoso, professora e artista, um dos principais papéis da educação popular é ressignificar a própria educação, “respeitando os saberes e as histórias dos alunos, bem como a pluralidade do mundo”. “Como professora travesti, enfrento olhares, mas não são dos alunos”, afirmou. Organizador da festa Blanca, o militante Luizera se referiu ao evento mensal do Jardim Conceição a fim de ressaltar a necessidade de pessoas LGBTs da quebrada se reunirem com segurança em lugar afetuoso onde possam se divertir sem medo de serem atacadas.

A AtivOz foi destacada por levantar pautas que nunca foram discutidas em Osasco, como lembrou Drag Tiffany: “É notório que Osasco resiste muito às pautas LGBT, mas é gratificante saber que a mandata AtivOz está à frente delas”. O protagonismo da mandata serve de inspiração para outros municípios. “Estamos organizando a primeira parada LGBT em Barueri, e contamos com a ajuda de vocês”, afirmou a codeputada Rose Soares, lembrando que a importância da pauta independe de convicções religiosas: “Vale lembrar que enquanto as igrejas evangélicas expulsam os LGBTs, as religiões de matriz africana os acolhem”, avisou.

A ausência de representantes dos poderes legislativo e executivo foi sentida por todos os presentes: “Cadê a Secretaria da Mulher e Diversidade?”, indagou Higor Andrade, referindo-se à SEMUD de Osasco.

Heli Venturoso, educadore da Rede Emancipa de educação popular

Drag Tiffany

Rose Soares, codeputada estadual pelo Movimento Pretas (PSOL-SP)

Cidade da família?
A vereadora Juliana pontuou que a AtivOz atua na Câmara tentando mostrar que, se Osasco é a cidade da família, como diz o slogan do Executivo, ela deve ser de todas as famílias. “Aos poucos, vamos avançando numa cidade extremamente conservadora, que propaga valores de uma família hipócrita, que não existe de verdade”, afirmou, lembrando que um dos primeiros projetos de lei protocolados pela mandata coletiva foi pelo uso do banheiro respeitando a identidade de gênero, mas está há três anos aguardando votação. “Temos ainda diversos desafios, a extrema direita ainda toma todos os parlamentos, mas esta lei que conseguimos aprovar, de luta contra a LGBTfobia, foi fruto dos movimentos sociais e é um processo de inclusão”.

“Nosso dia de luta é todo dia”, afirmou a ativista Alessandra DumDum, questionando a mentalidade dissimulada reinante no Brasil: “O país que mais mata é também o que mais consome pornografia LGBT”.

Juliana da AtivOz

Alessandra DumDum, presidente da ATTO – Associação das Trans e Travestis de Osasco

Força da luta

Apesar do enfrentamento diário da LGBTfobia, “estar aqui mostra a força da nossa luta”, afirmou a vereadora Luana Alves, acrescentando: “Não se pode esquecer que este é um evento oficial”. Segundo ela, a extrema direita vem usando, nos últimos anos, a identidade LGBT para avançar no Brasil. “Fomos usados como arma política, fomos alvo do ódio, e isso é doente”, ressaltou.

O professor Renan Quinalha concordou que a LGBTfobia foi institucionalizada como política de Estado: “Até hoje, a área do Direito mantém práticas contra essa população”. No entanto, afirmou, a população LGBT+ tem história e trajetória, e deve seguir adiante. “Para isso, precisamos de políticas públicas, de orçamento, de mais mandatos LGBTs, de conselhos LGBT”, exemplificou.

Homem trans, o advogado Lorenzo de Godoy, presidente da Comissão de Diversidade Sexual da OAB-Osasco, disse inexistirem ações para combater o quadro de violência que já foi normalizado no Brasil. Para mudar, é urgente “eleger representantes que estejam verdadeiramente compromissados com a mudança”, afirmou ele, que está “aguardando com ansiedade o julgamento pelo STF do projeto de lei que legaliza o uso dos banheiros conforme a identidade de gênero”.

Luana Alves, vereadora de São Paulo pelo PSOL

Renan Quinalha, escritor e professor de Direito da Unifesp – Osasco

Lorenzo de Godoy, presidente da Comissão de Diversidade Sexual da OAB-Osasco

Bandeira retomada

Afirmação constante nas falas dos convidados foi o fato de Osasco falhar na implementação de políticas públicas para a população LGBT+, mas não só, é visível também o retrocesso de direitos. “Estamos vendo a história se repetir, com bares LGBTs fechando e a tentativa de proibir o casamento, que já é um direito”, alertou Higor Andrade. Para ele, é importante os heterossexuais apoiarem a causa LGBT+, pois é tarefa de todos o combate ao fascismo. “Na Parada do Orgulho de Osasco, no próximo dia 21 de julho, vamos às ruas de verde e amarelo, porque a bandeira do Brasil nos foi devolvida pelas LGBTs”, disse, finalizando o evento e recebendo aplausos entusiasmados da plateia.

Higor Andrade, covereador da mandata AtivOz (PSOL-Osasco) e organizador da Parada LGBT+ da cidade