Projeto do vereador Paulo Júnior coloca crianças, adolescentes e professores de Osasco em risco
Vereador do PP de Osasco propõem projeto que diz visar o combate a "erotização infantil", mas por ser vago e autoritário representa risco grave as crianças, adolescente e professores
28 set 2021, 16:52 Tempo de leitura: 5 minutos, 22 segundosÉ positivo quando a Câmara de Vereadores da nossa cidade coloca em debate os riscos que enfrentam nossas crianças e adolescentes. E nesses riscos tem que ter destaque os abusos sexuais e assédios que sofrem as meninas e meninos da nossa cidade, um estudo do IPEA levantou que 70% dos estupros são cometidos contra crianças e adolescentes.
Se por um lado é possível cumprimentar o vereador Paulo Júnior por colocar em relevo o tema do abuso infantil, não podemos deixar de nos posicionar contrariamente ao Projeto de Lei nº 71/2021 de sua autoria que tramita na Câmara Municipal de Osasco. Na nossa opinião o projeto, mesmo que involuntariamente, provoca o efeito de pânico moral, confunde a raiz do problema e pode contraditoriamente causar ainda mais riscos para as crianças e adolescentes. Indicamos abaixo os principais pontos que justificam não apenas o nosso posicionamento contrário, mas também porque a sociedade osasquense precisa se preocupar com esse projeto:
- A defesa da criança em âmbito escolar já passa pela elaboração do Projeto Político Pedagógico de cada escola e no papel educador de todas as ações que devem ser pensadas e elaboradas a fim de atingir objetivos de aprendizagem. É responsabilidade de toda comunidade escolar assegurar a integridade de crianças e adolescentes. A escola deve proporcionar atividades de conscientização sobre cuidados e conhecimento do próprio corpo. Diversas experiências internacionais e brasileiras indicam que a educação sexual sem tabus é capaz de preparar os adolescentes não somente para evitar ISTs e gravidezes indesejadas, mas também para dar meios para crianças e adolescentes entenderem e se protegerem do abuso sexual. Sabemos que a maior parte dos abusos sexuais contra crianças e adolescentes acontecem em âmbito familiar e que a escola pode cumprir papel relevante para combater esse mal.
- O projeto é vago em muitas de suas definições – “arte com conteúdo erótico” e “contato visual com corpo seminu”, são expressões altamente interpretativas. Em nosso ver, isso limitaria o acesso a conteúdos científicos e culturais compatíveis com a idade e com a exigência da formação de cidadãos completos. Os sistemas de ensino público mais competentes do mundo como os escandinavos ou mesmo escolas particulares de ponta do Brasil nem considerariam criar esse tipo de limitação arbitrária e pouco definida. Do ponto de vista cultural, faz parte do ensino de história, por exemplo, a análise de estatuetas como Vênus de Willendorf, hoje também conhecida como Mulher de Willendorf, uma estatueta esculpida entre 28.000 e 25.000 anos antes de Cristo, com valor histórico mundialmente reconhecido e poderia ser erroneamente classificada como “pornográfica, erótica ou obscena”. Assim também, como muitas histórias e imagens de origens africanas que compõem a Lei 10.639/03 torna obrigatório o ensino da história africana, afro-brasileira e indígena. Lei que sem dúvida é um avanço de enorme importância
- Outro erro grave no projeto é o desvio de função da Guarda Civil Metropolitana. Acreditamos que a GCM de Osasco conta com excelentes servidores, mas que sua função vem sendo alargada usurpando competências que seriam da Polícia Civil e Militar como, por exemplo, o policiamento ostensivo. O projeto de Lei nº 71/2021 traria uma nova função para a GCM que não apenas se choca com a constituição brasileira como, também, inexiste em democracias consolidadas, se aproximando de funções como da Polícia Moral de países como Arábia Saudita e Irã. O texto da lei permitiria por exemplo que a GCM fosse acionada para verificar cumprimento de saia ou qualquer coisa que o critério vago de “seminu” possa significar para algum cidadão.
- Nós já possuímos legislações nacionais, estaduais e municipais voltadas à proteção da infância e adolescência. A Constituição Federal de 1988 preconiza que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Os princípios norteadores na nossa Constituição de 88 se expressaram de forma muito completa na Lei 8.069 (Estatuto da Criança e do Adolescente), colocando uma série de direitos e garantias para a preservação da vida e da dignidade das nossas crianças e adolescentes em diversos aspectos. No nosso município temos a lei nº 1°/2021, da reforma administrativa apresentada pelo Prefeito Rogério Lins e aprovada por essa Câmara que define as diferentes responsabilidades do Supervisor(a) de Ensino, do Diretor(a), vice-Diretor(a), Coordenador(a) Pedagógico e demais profissionais da educação.
- O risco de censura prévia e autoritarismo é realmente grave. Não é incomum e são muitos os registros em nossa história de que com o pretexto de se preservar as crianças e adolescentes autoridades se arvoraram do direito de censurar a arte, a ciência e a livre expressão política. Dado que pelo texto da lei o simples contato visual de crianças e adolescentes com algo vagamente considerado “erótico” ou “seminu” possa ser motivo para suspensão de eventos, censura de expressão artística ou ensejar o uso de apoio da força policial. Não é difícil imaginar a possibilidade de abuso de tal poder por parte de autoridades.
- Outro aspecto que no nosso ver é muito grave no texto é a possibilidade de criminalização da atividade do professor. Sabemos que não é fácil ser professor no Brasil, a profissão não é valorizada e remunerada adequadamente e mesmo assim os nossos professores são motivo de orgulho e admiração. Uma profissão com a responsabilidade de educar nossas crianças e adolescentes sem dúvida tem que passar pelo crivo da sociedade e qualquer relação indevida com crianças e adolescentes precisam ser punidas como preconiza o código penal. Mas o Projeto de Lei nº 71/2021 não se refere a assédio ou abuso e sim estabelece definições vagas que podem ser interpretadas arbitrariamente para perseguir professores.