Por um futuro sem guerra às drogas

NÃO À PEC 45!

24 abr 2024, 16:15 Tempo de leitura: 5 minutos, 15 segundos
Por um futuro sem guerra às drogas

por Taynara de Oliveira Cardoso

A República Federativa do Brasil vive, desde o último governo, uma queda de braço entre os seus poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário. O Bolsonaro criou uma disputa entre o Executivo e o Judiciário, personificada na figura do Alexandre de Moraes, e este ano a tensão permanece entre o Legislativo e o Supremo Tribunal Federal (STF). Mais recentemente, o STF reiniciou a discussão de um processo de interpretação sobre a constitucionalidade do artigo da lei de drogas aprovada em 2006, que diferencia usuário de traficante. Antes de o ministro Dias Toffoli pedir vistas do processo agora em março, tínhamos 5 votos favoráveis à descriminalização da maconha. Em contrapartida, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, começou a discussão de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reforça a criminalização da posse e porte de entorpecentes considerados ilegais com o objetivo de tensionar a questão com o STF.
Isso, no entanto, é só pano de fundo para uma questão realmente complexa e alvo de discussão no país todo, a questão das drogas. Hoje, quem faz a diferenciação do usuário para o traficante durante uma abordagem policial é o próprio agente, pois a lei de drogas não define objetivamente quem é quem. Isso gera muitas questões no âmbito da segurança pública, pois o que se tem hoje é uma abordagem racista: quando alguém branco, das zonas mais nobres da cidade, é pego com drogas é tachado pelo policial como usuário e muitas vezes não sofre nem as medidas administrativas, enquanto nas zonas mais periféricas, em que a maioria é negra, são tachados como traficante, e podem pegar de 5 a 15 anos de cadeia. Sem contar as buscas policiais que geram mortes nas periferias das cidades.
A chamada guerra às drogas, sustentada pelo proibicionismo, começou a partir da convenção de Haia, em 1912, que proibiu o uso de ópio. Os EUA avançaram na política proibicionista com a lei seca, que proibia inclusive o álcool, e vigorou até 1933, gerando efeitos colaterais de violência, que foi a grande razão do recuo. Contudo, o levante proibicionista continuou com uma convenção internacional do ópio, em 1925, quando os EUA passaram a criminalizar a produção e a posse de maconha. Em 1936, o Brasil aderiu ao acordo sobre tráfico de drogas como crime internacional e aí começa o avanço brasileiro contra as drogas, que culminou na lei de drogas de 2006, aumentando a pena para tráfico e contribuindo para o crescimento da população carcerária. O balanço que se tem hoje pelas próprias Nações Unidas é que a questão precisa ser tratada pelas vias dos direitos humanos e da saúde pública, pois a guerra às drogas contribui para o aumento da violência nas cidades e não acumulou para a diminuição do uso de drogas.
O STF julga hoje a inconstitucionalidade do artigo 28 da lei 11.343/2006, conhecida como lei de drogas, que criminaliza adquirir, guardar e transportar entorpecentes para uso pessoal por ferir liberdades individuais. O relator, ministro Gilmar Mendes, restringiu o caso à maconha para conseguir uma posição de maioria para aprovar a inconstitucionalidade. O ministro Dias Toffoli pediu vistas, atrasando ainda mais uma posição do colegiado sobre o caso. Isso abriria um precedente importante na luta antiproibicionista e contra a guerra às drogas, permitindo o uso pessoal da maconha.
Em contrapartida, o Legislativo vem como força reacionária, contribuindo para a violência e o encarceramento. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, protocolou a PEC 45, que criminaliza o porte de qualquer quantidade e tipo de droga considerada ilícita, e isso incluiria a maconha. A PEC passou nos dois turnos do Senado no dia 16 de abril. Essa postura do Senado é revanchista e sem responsabilidade com o assunto, além de não resolver objetivamente a diferença entre usuário e traficante, pois a PEC, apesar de não criminalizar o usuário, criminaliza a posse e o porte de qualquer quantidade de drogas.
Enquanto o Executivo se abstém do debate, os problemas da lei de drogas poderiam ser resolvidos por meio de regulamentação pela ANVISA, que poderia baixar uma portaria incluindo a maconha como uma substância legal. No entanto, o cálculo político feito pelo governo considera que seria um desgaste muito grande tomar essa medida, e por enquanto prefere disputar no Congresso a não aprovação da PEC das drogas. Não podemos deixar de fazer a crítica, pois essa é uma briga que precisa ser comprada a partir do debate político pertinente à questão, através da mobilização.
Em 2011, o STF permitiu a saída da Marcha da Maconha e esse se tornou um espaço importante de mobilização antiproibicionista. Mais do que um espaço que defende o uso individual da droga, se tornou um espaço de resistência contra a guerra às drogas e pela defesa do uso terapêutico dessas substâncias. Hoje, sabemos que muitos derivados da cannabis são prescritos para tratamento de epilepsia e autismo, por exemplo, e ainda indicados para diminuir os efeitos colaterais do tratamento do câncer, entre outros usos. Porém, ao mesmo tempo em que a proibição eleva exorbitantemente o preço dos produtos, o preconceito prejudica a prescrição pelos médicos, tornando seu uso inviável pela população mais pobre. E, mais uma vez, os ricos se beneficiam do produto e seus derivados enquanto os pobres são presos e julgados como criminosos.
Esse ano teremos uma mobilização mais ampla: além da Marcha da Maconha na capital, acontecerão outras em cidades da região metropolitana, levando o debate para as periferias. O tema da capital será “Bolando o Futuro sem Guerra” e as outras marchas debaterão esse mote. Essa mobilização será importantíssima para barrar o retrocesso da PEC 45 e pesar a correlação de forças pela legalização. Portanto, será essencial, mais do que nunca, nos reunirmos aqui em Osasco no dia 27 de julho, na Marcha da Maconha Oz e acompanhar os debates de construção. Nos vemos na luta!